terça-feira, 25 de março de 2014

Comentário de Guido Palomba - Psiquiatra Forense

O debate que se segue foi desencadeado pelo comentário abaixo, do Prof. Dr. Guido Arturo Palomba sobre o artigo de F. B. Scagliusi e colaboradores, intitulado “Tradução da escala de desejo de aceitação social de Marlowe & Crowne para a língua portuguesa”, publicado na Rev Psiq Clin 31 (6): 272-75, 2004. O ponto de vista do Prof. Palomba foi comentado por Laura Guerra e Clarice Gorenstein, que vêm pesquisando e desenvolvendo o uso de diferentes escalas psicométricas e por Táki Athanássios Cordás, um dos co-autores do trabalho comentado.

  
 
A primeira mega onda destrutiva sobre a psiquiatria veio com a CID-10 e a DSM-IV, nos anos 1990 (cujo “abalo sísmico” se deu pouco antes, nos anos 1980, com a entrada da CID-9 e a do DSM III – R).

O estrago foi avassalador, atingindo em cheio a nosografia e a psicopatologia, até então ditadas pela etimologia, pela história, pela doutrina, pelos livrostextos. Estes últimos foram varridos da face da psiquiatria, que ficou encharcada pelos catalogões CID e DSM, as “bíblias” dos psiquiatras modernos. Bumke, Bleuler, Kraepelin, Kretschmer, Jaspers, Ey, Mayer-Gross, juntamente com centenas de outros grandes, morreram afogados pela imensa onda.

A segunda tsunami dá-se com a primazia do resultado do exame subsidiário sobre o exame clínico.

Essa onda arrasou o raciocínio clínico. Não há mais valorização do exame direto do paciente. A emissão de pósitrons, a ressonância magnética, o expertsystem e outros assemelhados, dizimaram a semiologia psiquiátrica, vieram os psiquiatras cibernéticos de última geração, que, diante do ser humano e suas infinitas combinações bio-psicossocio-religiosoculturais, acreditam mais na especificidade e nos resultados da máquina, do que na própria intuição, sensopercepção, raciocínio lógico e inteligência.

Essa onda gigante matou a soberania clínica. Agora a eficiência está na máquina... e, conseqüentemente, a deficiência, no psiquiatra.

A terceira tsunami é a vinda desses imbecis (in, negação; bacillum, bastão, in bacillum, sem o bastão, o apoio da inteligência) inventários ou escalas de medição, previamente fabricados, que o psiquiatra pede para o paciente marcar com um “x”, se falso ou verdadeiro ou algo que o valha.

Essa onda destrói, completamente, qualquer possibilidade de arte dentro da psiquiatria. Nivela tudo pelo mais baixo grau de primariedade. Esses ditos instrumentos parecem aqueles testezinhos de revistas populares para meninas adolescentes, os quais, ao final, de 0 a 5 pontos, de 5 a 10 e de 10 a 15, dizem se o namorado gosta dela ou se é do tipo espontâneo, inibido ou atirado.

O momento é delicado, pois as ondas geraram montanhas de entulho, e nelas as pragas disseminam-se com facilidade. E já tem várias que vicejam à tripaforra, por exemplo, a doença de Alzheimer, que na escumalha boiante é tida como doença senil, quando, em verdade, é pré-senil, descrita por Alois Alzheimer, em 1907. O leitor não entendeu a gravidade desse fato ou acha isso um absurdo?

São as tsunamis arrasadoras de doutrina, que a quase todos leva de roldão!

2 comentários:

Van der Camps disse...

O Brasil tem apenas 7 mil psiquiatras. A USP forma 15 por ano. Não existe nenhuma perspectiva que esse número mude a curto prazo. Para ser psiquiatra o médico faz o todo o curso de medicina que é estruturado para doenças física e depois tem de se especializar e estudar um novo campo de conhecimentos. Talvez por isso afaste tanto os estudantes.

Van der Camps disse...

Por serem tão poucos o acesso a eles é muito mais difícil e fazer terapia com um deles é praticamente impraticável. Psiquiatras tem capital simbólico elevado e por isso não são muito compreendidos pelos outros.