Surtos psicóticos, mais comum do que se pensa
Situações como a vivida pela psicóloga Karen Tannhauser, que passou três dias escondida no prédio onde morava e foi achada no porta-malas de carro, são muito comuns, embora não haja estimativas
SALVADOR – Uma idosa de 63 anos cria um mundo distante da sua realidade de catadora em um lixão no Rio de Janeiro, conforme foi retratado no documentário Estamira. Com vida aparentemente normal, a psicóloga carioca Karen Tannhauser, 37 anos, foi encontrada no porta-malas de um carro após passar três dias vagando pelas dependências do condomínio onde mora, sem ser vista. Casos como esses são mais comuns do que as pessoas imaginam, de acordo com especialistas, embora sejam exemplos extremos de surtos psicóticos e não haja estatísticas precisas a respeito da incidência desses problemas.
Perder a noção de realidade e pensamento desconexo são características do surto psicótico que pode ser provocado por doenças como a esquizofrenia, um trauma de grande impacto ou pelo uso de medicamentos e drogas. Em decorrência de um conjunto de fatores se extravasa, ao máximo, algo negativo. O comportamento é diferente do que se espera daquela pessoa.
“Mesmo se a atitude for consciente, não é adequada. A reação da psicóloga Karen é característica de quem está vivendo um processo psicológico de insatisfação”, explicou a presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e Cultura, Kleyde Mendes Lopes.
O surto é típico de pessoas com propensão a transtorno mental. Contudo, nada impede que qualquer ser humano tenha alterações psicológicas. “Podemos chamar de pequenos surtos, causados por estresse, sentimento de impotência, morte, acidente, desilusão amorosa, entre outros”, diz psicanalista, Rui Diamantino, mestre e doutorando em psicologia.
Ele esclarece que o diferencial entre as situações-limite é a duração dos transtornos e a gravidade: “As reações dos pequenos surtos são passageiras diante de uma situação adversa. Quem já tem propensão costuma ter surtos mais frequentes e duradouros”.
Para Diamantino, a ocorrência dos surtos depende da interação de fatores biopsicossociais. Consistem em aspectos biológicos (marcadores genéticos), psicológicos (relações familiares) e sociais (ambiente) que formam a personalidade. “Pode-se ter tendência genética, mas o ambiente não favorecer. E pode não ter marcador biológico e viver em condições psicossociais estimulantes”.
SURTOS
Kleyde Mendes observa que o desequilíbrio emocional é ligado a energias como raiva, tristeza e medo, que levam a atitudes diferenciadas durante o efeito da emoção, “enquanto o psicológico depende da harmonia entre os estados da personalidade: o superego, o ego e o ID”. E acrescenta: “Esse tipo de surto vai correndo aos poucos, dando sinais até que transborda”, citando o tipo de transtorno decorrente de reações de substâncias do próprio organismo ou das ingeridas como medicação ou drogas.
No caso de período curto de alteração, a psicoterapeuta prefere chamar de choque. “São pequenos descontroles, podendo ser semelhantes aos de quem sofre de uma doença. A reação varia com a circunstância e trauma”.
Ela afirma, ainda, que o organismo de quem sofre uma patologia não consegue produzir as substâncias que ajudam a lidar com a adversidade. “Ele sai da realidade, pois chega ao ponto de não aguenta as neuroses criadas das situações rotineiras e desiste de lutar e entra em surto psicótico.”
A crise seria, assim, o resultado da incapacidade em resolver o problema. Já a intensidade da reação depende da capacidade de resistir a situações de adversas.
SINTOMAS
Perda de sono, achar que é alvo de crítica de todas as pessoas, excesso de ciúmes de pessoas e objetos, ouvir vozes são alguns sintomas. “É consequência do cérebro impugnado de injunções que recebemos da família, sociedade, religiões desde a infância”, afirma Kleyde.
É o que a psicoterapeuta chama de diálogo interno. “É o super ego (valores e julgamentos) e o ID ( instintos) brigando. Em quem não sofre de doença mental, os sintomas podem ser os mesmos, mas menos intensos. “É comum ficar pensando no assunto com frequência e buscar isolamento”, explicou Kleyde.
Medicamentos e acompanhamento de um psicoterapeuta é a forma mais eficaz para garantir o equilíbrio. Já em casos mais amenos, a orientação é viver a situação intensamente. “É preciso chorar até a última lágrima. Entrar profundamente na tristeza e ter um ombro amigo para desabafar”, afirmou Kleyde.
Mas, como saber que a situação está superada? Quando a situação não incomoda mais. Já o sentimento de raiva tem outras formas de ser externado. “O acúmulo de raiva é nas extremidades como os membros inferiores, superiores e a cabeça, causando doenças como artrose, reumatismo, derrame. Então movimentar os braços e sapatear alivia as tensões”, disse. Por último o medo, deve ser partilhado. “Além de buscar proteção, ao conversar ou pedir orientação para lidar com isso já reduz o medo”.
Comportamento de extremo a outro
SALVADOR – Do temperamento extrovertido e alegre ao isolamento e falta de ânimo. Os encontros com os amigos se tornaram raros. A concentração não era mais a mesma e a vida da mulher de 32 anos, depois de uma decepção amorosa, foi resumida ao trabalho e às horas trancada em seu quarto.
Até que um dia, a jovem começou a gritar contando detalhes do relacionamento no meio da rua, para depois chorar copiosamente. “Depois de muitas reclamações de amigos e parentes, percebi que não estava conseguindo superar a perda e procurei ajuda médica”, disse a administradora, que está bem em outro relacionamento.
De acordo com o psicanalista Rui Diamantino, não ajuda em nada o indivíduo ser conhecido como diferente. “É essencial fazer com que a pessoa saiba o que está acontecendo para tomar consciência, mas é necessário ter cuidado para não estigmatizar para que ela não se ache diferente ou estranha.” O apoio tem como meta fazer com o indivíduo construa mecanismos psicológicos para perceber os sinais que podem levá-lo ao transtorno e criar resistência.
O vazio existencial, o medo e a depressão são elementos psicossociais que fomentam a ocorrência de surtos. Muitos deles são provocados também, segundo Diamantino, pela perda de elementos de aproximação humana. “Vivemos cada vez mais isolados por causa da violência e distanciamento de costumes comuns da vida em comunidade. O relacionamento com as pessoas é essencial à nossa saúde psíquica.”
CASO DA PSICÓLOGA
A psicóloga Karen Tannhauser, 37 anos, desapareceu na tarde do dia 31 dezembro (sexta-feira) e somente foi encontrada na tarde da segunda-feira (3), dentro do porta-malas do carro da síndica do prédio onde reside, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro. A síndica e a família haviam saído de carro, um Palio Weekend (da Fiat) e, no momento em que chegaram, retiraram objetos do porta-malas, que não fechou de forma adequada. O filho dela chegou a descer para fechá-lo, mas sem verificar o que tinha dentro.
Mais tarde, o marido da síndica teria aberto o porta-malas para pegar ferramentas que estavam lá, quando se assustou com a presença de Karen, que teria pulado em cima dele, suja e fora de si, de acordo com os policiais. Ela estava desorientada e com vários arranhões pelo corpo.
A polícia analisa a possibilidade de a psicóloga ter ficado escondida dentro do prédio desde o dia 31 de dezembro, quando foi considerada desaparecida. Depois de ter sido encontrada, a família não deu nenhuma explicação pública para o comportamento da psicóloga e a única referência ao seu estado mental pode ser visto num bilhete numa agenda, que ela deve ter escrito na tarde do dia 31 de dezembro, com o seguinte texto: “Talvez eu não me ache no direito de ser feliz. Mas não levo ninguém junto. Vivam as suas vidas. Nunca se culpem”.
SALVADOR – Uma idosa de 63 anos cria um mundo distante da sua realidade de catadora em um lixão no Rio de Janeiro, conforme foi retratado no documentário Estamira. Com vida aparentemente normal, a psicóloga carioca Karen Tannhauser, 37 anos, foi encontrada no porta-malas de um carro após passar três dias vagando pelas dependências do condomínio onde mora, sem ser vista. Casos como esses são mais comuns do que as pessoas imaginam, de acordo com especialistas, embora sejam exemplos extremos de surtos psicóticos e não haja estatísticas precisas a respeito da incidência desses problemas.
Perder a noção de realidade e pensamento desconexo são características do surto psicótico que pode ser provocado por doenças como a esquizofrenia, um trauma de grande impacto ou pelo uso de medicamentos e drogas. Em decorrência de um conjunto de fatores se extravasa, ao máximo, algo negativo. O comportamento é diferente do que se espera daquela pessoa.
“Mesmo se a atitude for consciente, não é adequada. A reação da psicóloga Karen é característica de quem está vivendo um processo psicológico de insatisfação”, explicou a presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e Cultura, Kleyde Mendes Lopes.
O surto é típico de pessoas com propensão a transtorno mental. Contudo, nada impede que qualquer ser humano tenha alterações psicológicas. “Podemos chamar de pequenos surtos, causados por estresse, sentimento de impotência, morte, acidente, desilusão amorosa, entre outros”, diz psicanalista, Rui Diamantino, mestre e doutorando em psicologia.
Ele esclarece que o diferencial entre as situações-limite é a duração dos transtornos e a gravidade: “As reações dos pequenos surtos são passageiras diante de uma situação adversa. Quem já tem propensão costuma ter surtos mais frequentes e duradouros”.
Para Diamantino, a ocorrência dos surtos depende da interação de fatores biopsicossociais. Consistem em aspectos biológicos (marcadores genéticos), psicológicos (relações familiares) e sociais (ambiente) que formam a personalidade. “Pode-se ter tendência genética, mas o ambiente não favorecer. E pode não ter marcador biológico e viver em condições psicossociais estimulantes”.
SURTOS
Kleyde Mendes observa que o desequilíbrio emocional é ligado a energias como raiva, tristeza e medo, que levam a atitudes diferenciadas durante o efeito da emoção, “enquanto o psicológico depende da harmonia entre os estados da personalidade: o superego, o ego e o ID”. E acrescenta: “Esse tipo de surto vai correndo aos poucos, dando sinais até que transborda”, citando o tipo de transtorno decorrente de reações de substâncias do próprio organismo ou das ingeridas como medicação ou drogas.
No caso de período curto de alteração, a psicoterapeuta prefere chamar de choque. “São pequenos descontroles, podendo ser semelhantes aos de quem sofre de uma doença. A reação varia com a circunstância e trauma”.
Ela afirma, ainda, que o organismo de quem sofre uma patologia não consegue produzir as substâncias que ajudam a lidar com a adversidade. “Ele sai da realidade, pois chega ao ponto de não aguenta as neuroses criadas das situações rotineiras e desiste de lutar e entra em surto psicótico.”
A crise seria, assim, o resultado da incapacidade em resolver o problema. Já a intensidade da reação depende da capacidade de resistir a situações de adversas.
SINTOMAS
Perda de sono, achar que é alvo de crítica de todas as pessoas, excesso de ciúmes de pessoas e objetos, ouvir vozes são alguns sintomas. “É consequência do cérebro impugnado de injunções que recebemos da família, sociedade, religiões desde a infância”, afirma Kleyde.
É o que a psicoterapeuta chama de diálogo interno. “É o super ego (valores e julgamentos) e o ID ( instintos) brigando. Em quem não sofre de doença mental, os sintomas podem ser os mesmos, mas menos intensos. “É comum ficar pensando no assunto com frequência e buscar isolamento”, explicou Kleyde.
Medicamentos e acompanhamento de um psicoterapeuta é a forma mais eficaz para garantir o equilíbrio. Já em casos mais amenos, a orientação é viver a situação intensamente. “É preciso chorar até a última lágrima. Entrar profundamente na tristeza e ter um ombro amigo para desabafar”, afirmou Kleyde.
Mas, como saber que a situação está superada? Quando a situação não incomoda mais. Já o sentimento de raiva tem outras formas de ser externado. “O acúmulo de raiva é nas extremidades como os membros inferiores, superiores e a cabeça, causando doenças como artrose, reumatismo, derrame. Então movimentar os braços e sapatear alivia as tensões”, disse. Por último o medo, deve ser partilhado. “Além de buscar proteção, ao conversar ou pedir orientação para lidar com isso já reduz o medo”.
Comportamento de extremo a outro
SALVADOR – Do temperamento extrovertido e alegre ao isolamento e falta de ânimo. Os encontros com os amigos se tornaram raros. A concentração não era mais a mesma e a vida da mulher de 32 anos, depois de uma decepção amorosa, foi resumida ao trabalho e às horas trancada em seu quarto.
Até que um dia, a jovem começou a gritar contando detalhes do relacionamento no meio da rua, para depois chorar copiosamente. “Depois de muitas reclamações de amigos e parentes, percebi que não estava conseguindo superar a perda e procurei ajuda médica”, disse a administradora, que está bem em outro relacionamento.
De acordo com o psicanalista Rui Diamantino, não ajuda em nada o indivíduo ser conhecido como diferente. “É essencial fazer com que a pessoa saiba o que está acontecendo para tomar consciência, mas é necessário ter cuidado para não estigmatizar para que ela não se ache diferente ou estranha.” O apoio tem como meta fazer com o indivíduo construa mecanismos psicológicos para perceber os sinais que podem levá-lo ao transtorno e criar resistência.
O vazio existencial, o medo e a depressão são elementos psicossociais que fomentam a ocorrência de surtos. Muitos deles são provocados também, segundo Diamantino, pela perda de elementos de aproximação humana. “Vivemos cada vez mais isolados por causa da violência e distanciamento de costumes comuns da vida em comunidade. O relacionamento com as pessoas é essencial à nossa saúde psíquica.”
CASO DA PSICÓLOGA
A psicóloga Karen Tannhauser, 37 anos, desapareceu na tarde do dia 31 dezembro (sexta-feira) e somente foi encontrada na tarde da segunda-feira (3), dentro do porta-malas do carro da síndica do prédio onde reside, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro. A síndica e a família haviam saído de carro, um Palio Weekend (da Fiat) e, no momento em que chegaram, retiraram objetos do porta-malas, que não fechou de forma adequada. O filho dela chegou a descer para fechá-lo, mas sem verificar o que tinha dentro.
Mais tarde, o marido da síndica teria aberto o porta-malas para pegar ferramentas que estavam lá, quando se assustou com a presença de Karen, que teria pulado em cima dele, suja e fora de si, de acordo com os policiais. Ela estava desorientada e com vários arranhões pelo corpo.
A polícia analisa a possibilidade de a psicóloga ter ficado escondida dentro do prédio desde o dia 31 de dezembro, quando foi considerada desaparecida. Depois de ter sido encontrada, a família não deu nenhuma explicação pública para o comportamento da psicóloga e a única referência ao seu estado mental pode ser visto num bilhete numa agenda, que ela deve ter escrito na tarde do dia 31 de dezembro, com o seguinte texto: “Talvez eu não me ache no direito de ser feliz. Mas não levo ninguém junto. Vivam as suas vidas. Nunca se culpem”.
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